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Zilda Brandão
02/01/2011 às 19:39hs


Crônica de Airton Gontow

 

Era uma madrugada fria e eu estava saindo de um desses cafés 24 horas, quando se aproximou de mim uma criança, sem nome e sem rosto:

- Tio, começou a falar aquela pirralha que, com certeza, não era minha sobrinha.

Mecanicamente, peguei no bolso uma nota de dois reais, entreguei à garota, entrei no carro e saí, furando a fria neblina daquela noite tipicamente paulistana, em direção à Av. Paulista.

Na esquina das avenidas 9 de julho e Brasil um farol bloqueou meu caminho e logo estava lá, ao lado do carro, um menino sem rosto e sem nome, batendo levemente no vidro.

Coloquei a mão no console do carro, peguei uma moeda, abri uma fresta, bem pequenina, na janela – o local era escuro e perigoso – e consegui passar a moeda para o guri, enquanto já acelerava o carro aproveitando o farol que anunciava que eu podia seguir tranquilo o meu caminho.

Comprei um jornal em uma banca próxima à rua Augusta e iniciei meu trajeto de retorno aos jardins. Um pouco antes da esquina da Haddock Lobo com a av. Paulista, mais um farol bloqueou meu caminho.

Vi quando outra criança, sem rosto e sem nome, saiu da guia da calçada, onde estava sentada e veio em direção aos carros parados. Torci para que não viesse até meu carro. Afinal, havia mais cinco companheiros de volante.

Mas ela veio. Parou junto à minha porta e disse:

- Tio!

Fingi que não era comigo e folheei o jornal que acabara de comprar.

Ela insistiu:

- Tio!

Procurei nas páginas esportivas as notícias sobre o Grêmio.

A pestinha bateu no vidro.

- Tio!

Nervoso, joguei o jornal no banco ao lado, abri a janela e exclamei:

- O que você quer, pô?

- O senhor tem uma caneta?

Pensei não ter entendido e pedi que repetisse a pergunta.

- O senhor tem uma caneta? – repetiu.

Atordoado, procurei uma caneta no porta-luvas, enquanto olhava para aquela menina ao lado do meu carro.

Devia ter lá seus nove anos. Tinha os olhos grandes e bem pretos, desses dizemos serem “de Jabuticaba”. Os cabelos eram castanhos claros, com cachinhos que se estendiam até a linha dos ombros. Tinha a bochechas salientes, não grandes demais, mas dessas que a gente sente vontade de beliscar ou até morder se a criança faz parte do nosso pequeno círculo familiar.

Perguntei-lhe o nome.

- Carolina!

Entreguei a caneta à Carolina. Segurou-a com a mão esquerda e, com a mesma mão, puxou levemente a camisetinha rota, um pouco furada, branca e encardida.

Com a direita, retirou de dentro um bloco de papel. Olhou para mim, abriu um imenso e lindo sorriso, mostrando aqueles dentes felizmente brancos e inteiros. Saiu andando compenetrada, rabiscando com a caneta o amassado bloco de folhas.

E eu fiquei lá, olhando para aquela menina que se afastava, caminhando com os pezinhos descalços naquela noite fria e garoenta, sem importar-me com o farol aberto e com os carros que buzinavam atrás, reclamando da minha indiferença e falta de respeito às leis do tráfego.

Voltei algumas vezes à mesma esquina, mas nunca mais vi a criança e não pude lhe dar as roupinhas, os livros infantis e os cadernos que desde então deixo em um pacote atrás do meu banco de motorista.

Agora que está chegando o Ano Novo, comprei um presentinho: bombons e barrinhas de chocolate. São desses que não custam quase nada e que ficam ao lado do caixa do supermercado. Deixo-as no porta-luvas.

Quem sabe ainda encontro a Carolina, entrego os presentes e digo com carinho: “Feliz Ano Novo!”.

            Enquanto isso não acontece, quando vejo que não há perigo, tenho surpreendido algumas crianças retirando da cartola os presentinhos.

Talvez você possa imaginar o rostinho que elas fazem, de surpresa, alegria e encantamento.

Você também pode imaginar como sorri a alma da gente!

Por que você não tenta fazer o mesmo em 2011?

Quem sabe você encontra a Carolina por mim?

 





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